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- Património alimentar, material e imaterial
"(...) as mulheres e os homens que viveram e vivem no terruncho bragançano nunca esqueceram o meio rural, estiveram e estão em quase permanente contacto com a natureza; porque a urbanidade citadina está empapada de ruralidade, ainda há hortas, quintais, alegretes e pontos de pomares na cidade. Tão intenso é o chamamento da terra, que as pessoas atentamente escutadas, a todo o tempo, a todo o transe, não se cansam de, coloquialmente, a evocar nas suas nostálgicas e fundas narrações."
Armando Fernandes, "Carta Gastronómica de Bragança - Matérias-primas, produtos e práticas alimentares"
Sra. Dona Adelaide Vila Chã (Outeiro)
Disse do carinho que a Festa de Santo Estêvão, a 26 de Dezembro, detinha (e detém) na aldeia. Esta festividade é obra dos mordomos de S. Gonçalo, que oferecem pão bento e castanhas cozidas às pessoas, indo a casa de cada um a comerem e a beberem. No dia 10 de Janeiro (agora no domingo mais próximo) tem lugar a festa em honra de S. Gonçalo, na cerimónia de passagem de testemunho entre os mordomos que estão e os que os vêm substituir, todos se obrigam oferecer comida e são acompanhados por um gaiteiro. Na festa concebem um andor (charolo) decorado com chouriços e as roscas de várias formas, feitas ou oferecidas pelos mordomos.
Sr. João Augusto Paiva (Outeiro)
O que se cultivava mais era trigo, depois centeio. Agora, estão a plantar mais castanheiros e amendoeiras. Ia-se ao rio Maçãs moer o trigo no moinho comunitário. O Avô era peixeiro de barca, pescava nas presas com redes, trazia dois a três quilos de peixe de cada vez. Os barbos e as enguias ou eram para vender ou para dar a quem lhe emprestava as redes. O Avô nunca teve dinheiro para as comprar. Também era moleiro, muitas vezes vivia no moinho com a família e dois burricos, nos quais transportava cereal para moer e moído. Ele participa em batidas aos javalis, prepara‑os e confecciona-os. Para muita gente.
Sra. Dona Anabela Fernandes Pires (Sortes)
O forte era comerem batatas cozidas quase em todas as refeições. Mesmo que fizessem arroz ou massa, coziam-se batatas, à mesma. Conservavam-se as batatas e as castanhas em covas revestidas a palha e terra por cima. É terra de batata de semente. O pai caçava coelhos, lebres e perdizes. Na Páscoa preparam cordeiro assado. Os mais velhos preferem comer cabrito. No dia dos Santos faz-se o magusto. No tempo das castanhas apanham-se míscaros e pinheiros (cogumelos). As frutas de maior consumo são as maçãs (assadas, cozidas e cruas), as cerejas abundam e as uvas não.
Sra. Dona Julieta Barros (Bragança)
Aprendeu e gosta de confeccionar compotas, marmeladas, geleias e bolos. As compotas são base de refrescos. Também cozinhava empadas de sardinha. A marmelada fazia-se num tacho de cobre. Na sua casa comiam arroz de bacalhau, congro temperado com alho e azeite, açorda de bacalhau, carapaus, capatão, pescada pequena, polvo curado, sável de escabeche, enguias e trutas da mesma forma. As rabas têm de ser boas, descascam-se, cortam-se às fatias e acompanham bacalhau. As azedas, beldroegas e merugens são boas para saladas, as beringelas coziam-se levemente, depois faziam-se filetes. Comia-se caldo verde durante todo o ano. Repolgas estufadas sozinhas, ou acompanhadas com batatas cozidas.
"A técnica desenvolveu-se de modo gigantesco nos últimos cinquenta anos, agora coloca os comeres cozinhados onde quisermos, elimina trabalhos nas cozinhas como já eliminou artefactos e utensílios antigamente imprescindíveis à sua confecção."
Armando Fernandes, "Carta Gastronómica - Matérias-primas, produtos e práticas alimentares"